domingo, 4 de dezembro de 2011

COMEÇAM A ACREDITAR



Reportagem do Deutsche Welle: a mídia começa a acreditar que aconteceu alguma coisa em Majer (Zliten)


Mais perguntas que respostas sobre o papel da OTAN na Líbia 

[Vocês pensam que nós vamos esquecer?]



Quarta-feira, 30 novembro, 2011

As razões e as conseqüências do  bombardeio da OTAN na cidade líbia de Majer ainda permanecem obscuros três meses depois. Deutsche Welle visitou o local de um dos piores episódios da guerra da Líbia.

Ali Ahmed nos acolhe dentro de uma capela funerária improvisada criada no meio dos escombros de sua antiga casa. Uma vez lá dentro, é impossível evitar olhar para os retratos pendurados nas paredes da pequena sala.

Majer, uma cidade 160 km a leste de Tripoli, costumava ser conhecida por seu delicioso suco feito de tâmaras. Mas desde 8 de agosto, Majer tem sido um nome intimamente ligado ao que pode ter sido o maior massacre da OTAN na Líbia. Um dos moradores, Ali Ahmed, foi uma testemunha desses eventos.

"Houve uma explosão gigante logo após as 11:00 hs. Tudo aconteceu muito rapidamente", diz Ali à Deutsche Welle, antes apontando para o retrato de Anan, sua irmã. Duas bombas de 500 libras foram lançadas do ar desmoronando os três andares da casa e matando 85 pessoas - 33 delas crianças - e ferindo muitas mais.

Ali teve sorte, porque estava dormindo em seu quarto no piso térreo, o único que não foi reduzido a escombros. Em torno de nós, colchões, sapatos e livros ainda jogados no chão.

"Havia duas famílias mais em casa, uma de Benghazi e a nossa", Ayed Hamid, outro sobrevivente, diz à Deutsche Welle. Ele perdeu seu irmão Salim. Três das cinco crianças mortas eram seus sobrinhos.

"Você sabe por que a Otan bombardeou a nossa casa?" pergunta Ayed, com uma genuína curiosidade que parece desmentir a sua dor.

Além das 14 vítimas daquela casa, 21 outras pessoas ficaram presas nos escombros de uma outra residência colhida no ataque. Duas outras casas também foram destruídas naquela noite.

Muhammed Ali Jarud sobreviveu ao ataque na segunda casa: "A primeira foi após 11 horas. Pelas 01:00 muitas pessoas haviam se reunido para nos ajudar a resgatar os corpos dos escombros, e depois veio outra bomba", diz à Deutsche Welle. Com 26 anos, perdeu a mãe no bombardeio, e também uma irmã com o marido e o bebê de oito dias de idade. Ele diz que três outros parentes, que sofreram ferimentos terríveis, foram enviados para a Alemanha para cirurgia.

"Estávamos reunidos para o Ifar - a refeição que quebra o jejum diário durante o mês de Ramadan", Muhammed lembrou. Hoje ele trabalha duro com três amigos para reconstruir uma casa antes do inverno chegar.

"Nós sempre nos ajudamos uns aos outros, caso contrário não seríamos capazes de sobreviver", disse Muhammed, que só concordou em falar conosco uma vez que estávamos fora da vista das autoridades da nova Majer.

"Temos muitos problemas com as milícias rebeldes e não queremos ser vistos a falar com jornalistas."

Os temores de Muhammed não são infundados, pois prisões arbitrárias são uma ocorrência muito comum no pós-revolução da Líbia.

Cadeia de mentiras

O que exatamente aconteceu em Majer é difícil de reconstruir. A maioria das pessoas afetadas permanecem em silêncio, assim como os media "mainstream". É impossível reconstituir os acontecimentos em Majer com as informações fornecidas pelo governo anterior, o punhado de repórteres que foram trazidos em excursão de Trípoli e os relatórios da OTAN. As narrativas não combinam. Neste ponto, sente-se que a única coisa certa sobre Majer é que alguém, se não todos, está mentindo.

Na manhã de 9 de agosto, o então porta-voz de Gadhafi, Moussa Ibrahim, acompanhou uma delegação de jornalistas estrangeiros ao local. Nos números fornecidos pelo governo líbio e repetidos por Ibrahim falou-se de 85 vítimas, incluindo 33 crianças. Aos jornalistas foram mostrados 30 corpos no necrotério local. Os outros 50 teriam sido transferidos para outras sepulturas das famílias e os gravemente feridos para Trípoli.

O bombardeio da OTAN em Majer foi feito "para limpar o caminho para os rebeldes avançarem sobre a cidade de Zlitan, controlada por Gadhafi, a 10 quilômetros ao norte."

"Este é um crime além da imaginação", concluiu o Dr. Ibrahim Moussa.

Após as declarações de Ibrahim, os jornalistas estrangeiros compareceram ao funeral dos corpos, cada um coberto com a bandeira verde que representava o regime deposto da Líbia.

Quarenta e oito horas após a primeira bomba destruir a casa de Ahmed, a OTAN alegou ter um registro completo do que tinha acontecido. "Quatro edifícios e nove veículos alvejados no local entre as 23:33 e 02:34 hs na segunda e na terça-feira."

Os tempos dos ataques combinam com os testemunhos de residentes de Majer, mas não a descrição dos alvos.

"Nossa avaliação, baseada no nível de destruição dos edifícios, confirma a probabilidade de baixas militares e de mercenários. A alegação de vítimas civis feitas pelo regime Kadhafi não foi corroborada por nenhuma informação factual disponível no local", explicaram o porta-voz da OTAN, o deputado Carmen Romero, e o coronel Roland Lavoie em uma conferência de imprensa conjunta Nápoles-Bruxelas. "Nós sempre tomamos medidas extraordinárias antes de um ataque para proteger os civis", acrescentou Lavoie.

Nada da OTAN

Apesar dos inúmeros pedidos da Anistia Internacional e das Nações Unidas para investigar alegadas vítimas civis no Majer, assim como no resto da Líbia, a Otan parece estar aderindo ao mesmo protocolo que no Afeganistão, sistematicamente negando todas as acusações e, portanto, fechando as portas para qualquer outra investigação.

Como muitos outros, ninguém pediu desculpas para Milad Ibrahim por sua perda terrível. Com 33 anos, se emociona cada vez que visita túmulo de seu irmão. Ele sabe que Mustafá foi colocado para descansar em uma área de cerca de 20 metros quadrados, mas não exatamente onde. No entanto, ele sempre diz suas orações da seção norte do cemitério humilde.

"Nós enterramos os restos de homens de um lado e das mulheres do outro. Não conseguimos identificar muitos dos corpos", disse Milad à Deutsche Welle, ao mesmo tempo mantendo um olho nas patrulhas da milícia cruzando Majer em suas camionetas.

Três meses após ataques da OTAN, a reparação de qualquer tipo para Ibrahim e o resto das famílias parece mais longe do que nunca. Não há nenhuma razão para que suas reivindicações devam ser levadas a sério, mas tudo aqui sugere que algo significativo aconteceu em agosto passado.

Por agora parece que para muitas dessas famílias, o seu tratamento nas mãos do novo regime da Líbia pode muito bem ser a questão mais premente.

Autor: Karlos Zurutuza, Majer, na Líbia
Editor: Rob Mudge

http://libyasos.blogspot.com/2011/11/more-questions-than-answers-about-natos.html







VEJA TAMBÉM NOSSA POSTAGEM DE 30/9: "ESCÂNDALO!..."

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