segunda-feira, 21 de maio de 2012

A REALIDADE NOS CÁRCERES DA LÍBIA


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ARTIGO DE PEPE ESCOBAR


Chicago: My kind of (OTAN) town *

18/5/2012, Pepe EscobarAsia Times Online – THE ROVING EYE

NATO occupies sweet home Chicago” - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



Hong Kong, China – É cerco. Fechado. Um anel de aço. Um oceano de policiais de Chicago. O Serviço Secreto. A Guarda Nacional. Quarteirões bloqueados. Cercas de arame farpado. Barreiras de concreto. Uniformes de controle de tumultos (e mais). O prefeito Rahm Emanuel – ex-secretário-geral da Casa Branca e confidente do presidente Obama – demarcou “áreas estratégicas” na cidade. E há “equipes de extração” super preparadas para extrair manifestantes-alvos de onde estejam, em ambiente de “conflito de baixa intensidade”. 

E, também, importantíssimo, o LRAD (equipamento acústico de longo alcance) – um canhão de som mais letal que os Metallica em noite ruim, para garantir que “mensagem clara chegue a grandes massas”, segundo o Departamento de Polícia de Chicago [o caminhão LRAD pode ser visto e ouvido em http://www.youtube.com/watch?v=QSMyY3_dmrM (NTs)]. 

O que é isso? Bagdá na ‘avançada’ [surge]? Remake de “Os Irmãos Cara de Pau”, estrelando, o fantasma de John Belushi e Obama, de Aretha Franklin (ou James Brown)?

Não. É a OTAN ocupando Chicago para a 25ª Conferência. Como diria o presidente Obama: que ninguém se engane. “Estamos em Missão Divina”. 

Impensavelmente pensável

Não imune às extrapolações do “conflito de baixa intensidade”, o governo Obama transferiu a reunião do G-8 – que está acontecendo antes da reunião da OTAN – de Chicago para a isolada Camp David. Mesmo assim, haverá protestos. Talvez haja sangue. Porque há ampla consciência, nos EUA[1], de que o G-8 e a OTAN – duas ‘cúpulas’ jamais eleitas e desobrigadas de dar satisfações aos contribuintes – são instrumentos que servem, essencialmente, aos 0,1%. 

A Conferência de Chicago ampliará o “Conceito Estratégico” que a OTAN adotou na reunião de Lisboa, em novembro de 2010. 

É importante identificar os atores que operam nas coxias. O “conceito” foi concebido por um seleto grupo de sábios (e uma sábia), co-presidido pela ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright e Jeroen van der Veer, presidente da empresa Royal Dutch Shell até junho de 2009.

É a tal simbiose ocidentalocêntrica de empresas/militares/petróleo. 

Antes de anunciado esse conceito de OTAN para o Terceiro Milênio, o presidente da empresa Lloyd's de Londres, ex-diretor da gigante francesa de energia, Total, Lord Levene of Portsoken, com o secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen, caracterizaram a coisa toda como “nova abordagem do gerenciamento de risco”. 

Sim, acrescentou Lord Levene, “temos de estar preparados para pensar o impensável”[2].

O “impensável”, segundo a empresa Lloyd's, foi codificado num programa “360 Risk Insight” [360 insights de riscos] e em “Realistic Disaster Scenarios” [Cenários Realistas de Desastres], enquanto a OTAN inventava um projeto “Multiple Futures” [Múltiplos Futuros]. 

O mundo, pois, pode suspirar aliviado: finalmente, o “impensável” tornou-se pensável, cortesia da empresa Royal Dutch Shell e porção sortida de gente do Big Oil: gigantes do mercado de seguros, como a Lloyd's; a News Corporation de Rupert Murdoch, notoriamente altruísta; marcas de fantasia do mercenariato como DynCorp e Academi (ex-Blackwater); a menina dos olhos de Dick Cheney, Kellogg Brown & Root (KBR); e Halliburton – e, claro, claro, a OTAN.  

Permitam-me bombardeá-los com meus valores 

A OTAN veio à luz em 1949, como contragolpe, dos EUA contra a Rússia, no tabuleiro de xadrez europeu. A União Soviética implodiu há 21 anos. Mas a OTAN – como os diamantes de James Bond – é eterna. A secretária de estado dos EUA Hillary Clinton já está pensando sobre o século 22. 

Mês passado, num convescote Pentágono/OTAN em Norfolk, Virginia, Hillary destacou que o encontro de Chicago “reconhecerá oficialmente as contribuições operacionais, financeiras e políticas de nossos parceiros, numa vasta gama de esforços para defender nossos valores comuns nos Bálcãs, Afeganistão, Oriente Médio e Norte da África.”[3]

O currículo da tal “defesa” dos tais “valores comuns” não é lá essas coisas. Depois passar décadas borrando as botas ante o perigo de ser varrido do mapa pelo Exército Vermelho, a OTAN lutou sua primeira guerra na Europa em 1999 – 78 dias de bombardeio unilateral contra a Yugoslávia. Digamos que tenha vencido. 

Depois, a OTAN pôs-se a defender o ocidente na intersecção da Ásia Central-Sul da Ásia: no Afeganistão. Passados 11 pantânicos anos, foi indiscutivelmente derrotada por um bando de pashtuns nacionalistas armados com Kalashnikovs e lança-rojões. 

Em seguida, lá está a OTAN a bombardear “nossos valores” comuns contra o norte da África, em sua primeira guerra no continente: na Líbia. Não obteve, propriamente dita, vitória alguma: a Líbia está convertida num paraíso para islamistas racistas hardcore, misturado com um inferno de milícias, já devidamente exportado para desgraçados vizinhos, como o Mali. 

E a OTAN recusa-se a reconhecer que assassinou muitos milhares de civis na Líbia, naquela missão de R2P – responsabilidade de proteger... civis[4].     

Ainda do ponto de vista do Conceito Estratégico, o que interessa é que a OTAN está próxima de fazer do Mar Mediterrâneo um Mare Nostrum remixed, um lago da OTAN (embora ainda haja aquela questão na Síria, a ser resolvida); e está, por toda parte, patrulhando o Mar da Arábia. 

Vamos lá, parceiro! 

A própria OTAN apresenta Chicago[5] como fórum sobre três principais questões: o “compromisso com o Afeganistão”; “capacidades” para defender a população e o território afegãos” (mesmo que signifique bombardear ou ocupar partes da Ásia Central e da África), tudo isso amarrado sob o título “desafios do século 21”; e a “rede de parceiros em todo o mundo”. 

As parcerias da OTAN são Hidra de muitas cabeças: Parceria pela Paz; Diálogo Mediterrâneo; Iniciativa Istambul de Cooperação; a Força Kosovo; a Operação Escudo Oceânico (no Chifre da África); a Operação Protetor Unificado (na Líbia); a Operação Missão Ativa (no Mediterrâneo), e, até, um gambito no Pacífico: Malásia, Mongólia, Cingapura, Coreia do Sul e Tonga são parceiros da OTAN na ‘parceria’ “Países que fornecem soldados” no Afeganistão.

E há a gargantuesca “Parceria Menu de Cooperação” (com mais de 1.600 possibilidades); o Conselho Rússia-OTAN [Russian-OTAN Council (RNC)]; e algum impulso para arranjar algum tipo de parceria com os países BRICS, das potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) – tudo em nome da “segurança num nível global”. Os BRICS não estão exatamente muito entusiasmados. 

Elizabeth Sherwood-Randall, diretora de Assuntos Europeus do Conselho Nacional de Segurança [orig. National Security Council (NSC)], e ex-vice-secretária para Rússia, Ucrânia e Eurásia em meados dos anos 1990s, justifica esse emaranhado[6] de ‘parcerias’, pela necessidade de a OTAN ser “mais mobilizável e deslocável”. Em OTANlíngua: a necessidade de “aumentar a interoperabilidade” da OTAN. 

Nada menos que 50 nação são interoperáveis-enredadas no Afeganistão. O Iraque será inevitavelmente anexado à Iniciativa Istanbul de Cooperação. A Líbia cairá dentro do Diálogo Mediterrâneo. E o mesmo acontecerá à Síria (mas só depois de o regime sofrer “mudança”).

É o Conceito Estratégico na prática: a expansão da OTAN inflada ao infinito. O plano é construir uma “teia de relacionamentos em volta do mundo”.  

Sem surpreender ninguém, esse foi o coração da matéria num grande encontro mês passado, no cavernoso quartel-general da OTAN em Mons, perto de Bruxelas. Imaginem os chefes militares dos 28 estados-membros da OTAN, plus os chefes dos departamentos de Defesa de 22 países não membros da OTAN que mantêm soldados no Afeganistão – o que inclui todo mundo, de Armênia, Bahrain e Geórgia, a Jordânia, Mongólia e Emirados Árabes Unidos.

Bem-vindos à OTAN-Globocop. Esqueçam a ONU. E se você for um dos muitos pequenos parceiros da OTAN, cuidado com o que pedem em troca da parceria. Mais cedo ou mais tarde, o Pentágono e a OTAN – afinal, a OTAN é o braço europeu do Pentágono – vai querer pôr uma base militar em seu país. E o complexo industrial-militar ocidental fará qualquer matança para vender a você todo o tipo de armamento complicado, caro e inútil.   

Defesa? Qual o quê! ‘Tava só brincando! 

Rasmussen já disse que, em Chicago, a OTAN anunciará que o sistema europeu conjunto EUA-OTAN de interceptação de mísseis já tem “capacidade operacional inicial”. Negócio fabuloso, aliás, para Boeing, Lockheed Martin e Raytheon.

Sherwood-Randall acrescentou que se trata de mísseis de defesa da OTAN “baseado na habilidade para empregar elementos dos EUA sob comando da OTAN”. Tradução: se alguém precisasse disso. Nada significaria, não fosse a pegada do Pentágono (sobretudo, na África, onde o AFRICOM já combateu sua primeira guerra, na Líbia, com um fogo de barragem de Tomahawks, antes de o comando ter passado para a OTAN).    

A OTAN distribuiu pela mídia a ideia de que se trataria de “sistema de defesa” da Europa contra os mísseis balísticos transcontinentais da Coreia do Norte ou do Irã. Nada disso. O sistema será incorporado à capacidade do Pentágono para “primeiro ataque”. A inteligência russa sabe muito bem quem está no olho do alvo real.     

O tenente-general da reserva Evgeny Buzhinsky, citado por Voice of Russia, pergunta: “Por que gastar centenas de bilhões de dólares, só para interceptar três ou quatro mísseis iranianos? E por que o Irã atacaria a Europa, se 70% de seu comércio externo depende da União Europeia?”

Mas nem todos os alvos da OTAN são definidos com vistas a construir um cerco estratégico em volta da Rússia[7].Trata-se também de entrar, de corpo inteiro, na Guerra dos Drones. Já flertam com mais uma intervenção “humanitária” – na Síria ou, muito mais fácil, no Mali. O Pentágono gastará apenas $4 bilhões, para modernizar o arsenal nuclear tático instalado na Europa. E há também a batalha, crucial, para controlar o Ártico. 

Globocop avança, em alta rotação. Hoje Chicago, amanhã as estrelas. Não há blues de Buddy Guy que dê conta. A canção-tema da OTAN é Over the Rainbow[8].


* My Kind of Town é canção de Jimmy Van Heusen/Sammy Cahn, para a trilha sonora de um filme musical, Robin and the 7 Hoods, de 1964. Foi indicado ao Oscar de melhor canção original naquele ano (perdeu para Chim Chim Cher-ee, de Mary Poppins). Pode-se ouvir, numa das muitas gravações de Frank Sinatra, em http://www.youtube.com/watch?v=K1rt7RXE0KU  [NTs].

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